Macaíba

"Macaíba terra amada/ Histórica é uma beleza/ Filhos ilustres aqui brotam/ Manancial de nobreza/ Desde a sua fundação/ Desse solo, desse chão/ Tidos como realeza."

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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Na corda do verso

Yuno Silva
repórter

Presente no cotidiano do nordestino desde o passado remoto, a literatura de cordel resiste ao tempo e continua sendo produzida com as mesmas características que a tornaram popular em feiras livres espalhadas, principalmente, por municípios do interior da região Nordeste.

Foto: Alex Régis
A relegada Poesia popular ganha espaço esta semana com lançamento da Caravana do Cordel, no IFRN, e lançamentos de livros como O Verso e o Briefing, de Clotilde Tavares

No mês dedicado ao folclore, uma série de eventos devem evidenciar ainda mais os livretos de origem Ibérica que eram comumente pendurados em cordas, cordões ou cordéis - daí o nome dessa forma primitiva de mídia, que fazia, e ainda faz, as vezes de rádio, televisão e jornal em muitos lugares.

A maratona de poesia popular começa amanhã, às 18h, na livraria Siciliano do Natal Shopping, com o lançamento do livro "O verso e o briefing - A publicidade na literatura de cordel" (Jovens Escribas), da escritora Clotilde Tavares; já na sexta-feira (26), durante todo o dia, o IFRN-Cidade Alta abre as portas para a Caravana da Casa do Cordel, que realiza extensa programação gratuita e aberta ao público a partir das 9h.

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A chegada do cordelista Zé Saldanha no céu


O evento, que contará com a presença da Ministra da Cultura Ana de Hollanda, em Natal para conhecer a brinquedoteca e o museu do brinquedo instalados no IFRN-Cidade Alta, marca o lançamento oficial do projeto itinerante que já passou pelos municípios de Florânia e Monte Alegre, com oficinas de cordel e xilogravura, sarau poético e palestras na bagagem. A iniciativa da Casa do Cordel reflete a força que a literatura popular ainda tem no RN, um fato comprovado na lista dos projetos selecionados pelo edital "Mais Cultura de Literatura de Cordel 2010 - Edição Patativa do Assaré", do Ministério da Cultura, onde potiguares figuram com destaque nas sete categorias. Entre os contemplados no edital do MinC está o poeta mossoroense Antônio Francisco, ocupante da cadeira 15 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, cujo patrono é Patativa do Assaré.

Cordelista ambulante

O Poeta Silva, que estará presente no lançamento da caravana, traduz com propriedade a essência desse universo.

Manoel dos Santos Silva, 61, é um ambulante diferente: ele não vende doces, nem bebidas ou salgadinhos, muito menos acessórios para celular ou cópias de filmes hollywoodianos, seu produto é poesia - e vive exclusivamente disso há seis anos. "Trabalhava como garçom, e, a partir de 1990, nas horas vagas, comecei a vender meus cordéis na rua", informa o poeta, cujo principal ponto de venda é a passarela do Natal Shopping. "Todo mundo me conhece lá, sou o Poeta Silva da passarela", diverte-se o senhor de fala mansa e consciente da importância de se manter a tradição.

"Comecei a me interessar pela literatura popular aos 13 anos, quando meu pai me levava para ver as cantorias na cidade de Pedro Avelino", recorda Silva. Natural de Touros, o "poeta do mar colonial" passou a escrever instintivamente em 1986. "Só fui aprender a métrica das rimas agora, em 2009, quem me ensinou foi Deus", garante.

Questionado sobre a receptividade das pessoas, diz que enfrenta muita "turbulência": "Tem gente que não dá valor, não aceita nem um bom dia ou boa noite. Estou vendendo cultura, não aceito preconceito!", avisa. Pai de seis filhos, cinco vivos, Silva é um otimista e revela que um dia pretende ter sua banquinha pra vender os livretos que ele mesmo escreve e manda imprimir. "Ando muito o dia inteiro e estou ficando velho, às vezes me canso". Trabalha todos os dias até às 23h, limite de horário para pegar o último ônibus até sua casa no bairro de Nossa Senhora da Apresentação, na zona Norte da capital potiguar.

"Lembro que em setenta tinha muito cordel aqui no RN, em oitenta começou a desaparecer e em noventa quase acabou de vez. Só quem vendia era Seu Francisquinho na Feira do Carrasco, Quintas. Foi aí que comecei a fotocopiar minhas poesias", contou o ex-garçom do hotel Ducal e Samburá: "Até hoje faço meus bicos, tenho guardado em casa a farda, paletó e sapato", garante. Ele diz que atualmente vende bem menos cordéis que em 2006 devido a concorrência. "Já me chamaram pra vender DVD pirata, mas vejo amigos serem humilhados e prefiro continuar com meu negócio", disse. Sobre a preferência, revela que o público prefere mesmo são os versos picantes. "O povo quer é piada pesada, perjorativa, sacanagem. Mas cordéis sobre o cangaço também sai muito", finaliza.

Serviço

Quinta, 25 - Lançamento do livro "O verso e o briefing - A publicidade na literatura de cordel" (R$ 25), de Clotilde Tavares. Amanhã, às 18h, na Livraria Siciliano do Natal Shopping. Clotilde participa de bate-papo sobre a publicação na próxima segunda-feira (29), às 19h, no auditório da UnP da Floriano Peixoto, Petrópolis.

Sexta, 26 - Caravana da Casa do Cordel, das 9h às 22h no IFRN-Cidade Alta. Programação aberta ao público e gratuita: oficinas de cordel e xilogravura, sarau poético, apresentações musicais, lançamento de livros e CDs, feira de artesanato, palestras e exposições.

Casa do Cordel homenageia Zé Saldanha

Se depender de Abaeté do Cordel, que há quatro anos mantém em funcionamento a Casa do Cordel no centro de Natal, a concorrência de cordelistas vai aumentar. Autor de mais de 500 títulos, sem falar de outras centenas de livretos produzidos sob encomenda, Abaeté está à frente da Caravana da Casa do Cordel, iniciativa que pretende percorrer município do interior do RN com um pacote de atividades que incluem oficina de cordel e xilogravura, sarau poético e palestras. "Fazemos esse trabalho nas escolas de forma independente. Os professores gostam do cordel por ser mais simples repassar o conteúdo aos alunos por causa da métrica e da rima", informa Abaeté, que já passou com sua caravana por Florânia, em maio, e Monte Alegre, em julho.

De acordo com ele, há 36 modalidades de rimas: "Martelo agalopado, sextilhas, decassílabos, repente, oitava, nona...", enumera o poeta. Apesar do pouco tempo em atividade, a Casa do Cordel atende clientes de outras partes do país e chega a exportar seus livretos para os Estados Unidos, França e Alemanha. "Recebemos encomendas de Minas Gerais, São Paulo, Brasília, Salvador, Fortaleza e Santa Catarina. Como temos uma pequena gráfica própria, fica mais fácil publicar nossos livretos", comemora. Ao todo a Casa do Cordel reúne cerca de cinco mil títulos de vários autores. "Vamos criar por aqui o Canto do Poeta Zé Saldanha como forma de homenagear um dos maiores poetas populares que viveram aqui em Natal", diz apontando para uma parede - Saldanha falaceu há pouco mais de uma semana aos 93 anos.

Abaeté lamenta o fato do Agosto da Alegria não incluir a Casa do Cordel na programação. "Meu filho, Erick Lima, é a maior referência em xilogravura do Estado, quem sabe do Brasil, e só entraram em contato conosco para perguntar se queríamos participar de uma feira".

Entre os assuntos que ilustram os livretos, ou folhetos, há temas recorrentes como o cangaço, política, saúde, educação, trabalho, casamento, entre outros, e todos incluem o humor na fórmula. "O Brasil é o único país que ainda produz cordel, principalmente no Nordeste", afirma Abaeté.

A literatura de cordel e a publicidade

A afirmativa de Abaeté do Cordel é reforçada pela escritora e dramaturga Clotilde Tavares, que lança "O verso e o briefing - A publicidade na literatura de cordel" (Jovens Escribas) amanhã, às 18h, na Livraria Siciliano do Natal Shopping. "Somente no Nordeste do Brasil se produz o cordel da forma que conhecemos", garante Tavares. Seu livro é o desdobramento de uma palestra apresentada em 2008 na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo, "mas não se trata de um texto acadêmico", avisa a escritora.

"Recebi o convite para preparar essa palestra traçando um paralelo entre a literatura de cordel e a publicidade. Já escrevi muito cordel sob encomenda, inclusive para peças publicitárias. No início do século 20 as informações chegavam em cidades do interior através do cordel, era o único meio de informação, e até hoje o aspecto jornalístico continua. Um bom exemplo disso foi a morte do Bin Laden, no dia seguinte já tinha cordel circulando com a notícia", reforça."As pessoas querem saber das notícias com a linguagem que conhecem e a literatura popular é um excelente meio de comunicação", aposta.